terça-feira, 16 de setembro de 2014

O meu com glúten e cobertura extra de lactose, por favor!

Você é satisfeito com seu corpo? Sim? Não? Chegamos a um ponto em que SER INSATISFEITO com o corpo se tornou quase uma obrigação. Não basta ter saúde. É preciso ter o corpo da moça da capa da revista para agradar aos olhos de quem está constantemente observando e julgando. Estamos contaminados pela ditadura da magreza e criando nossos filhos para se tornarem adultos doentes.



Sim, é isso que tenho visto com cada vez mais frequência. As pessoas estão mais e mais insatisfeitas e infelizes. Todos tem uma meta e na maioria das vezes essa meta inclui emagrecer muitos quilos (e cada vez mais), em pouco tempo e a qualquer custo, com ou sem saúde, com ou sem ajuda profissional, com ou sem saúde mental e de preferencia sem glúten e sem lactose. O que importa é emagrecer. Mais importante ainda é sair disseminando essa ideia por ai. A ideia de que só é possível ser feliz magro. Só é possível conquistar um amor, um emprego, uma promoção e até o direito a ir à praia, se você for igualzinha à moça da capa da revista. Aquela moça photoshopada que nem se reconhece na capa daquela revista. Até quem está saudável e satisfeito com seu corpo é forçado a sentir a necessidade de mudar. Não porque acha que não está bem, mas porque a sociedade exige, cobra, critica e não se dá por satisfeita enquanto você não estiver cada vez mais insatisfeito. E se alguém comentar que está feliz assim... vai escutar motivos suficientes para começar a dieta, mudar a cor e o corte do cabelo, ficar com vergonha de ir à praia e ter vontade de trocar de roupa agora mesmo.

“Se a vizinha conseguiu, eu também consigo”. “Se a atriz conseguiu emagrecer para fazer esse papel na TV à base de alface e água eu também posso fazer” (Sim, elas poderiam ficar quietas, mas fazem questão de divulgar este “super segredo” do "emagrecimento-anoréxico-perfeito").
E sempre tem alguém ali bem pertinho de você para te dar “umas dicas ou toques”. “Não come glúten porque engorda”. Ou torcem o nariz diante da sua sobremesa e soltam aquela frase agradável: “Acho que você ganhou peso no último mês”. Ou a clássica: "Nutricionista comendo isso?"  - Não, nutricionista é E.T. Não sabia, não?

POR QUÊ????

Porque as pessoas precisam observar, comentar, denegrir, comparar, competir, humilhar? Minha conclusão é que ninguém está satisfeito com o que é, e chamar a atenção para o defeito do coleguinha ao lado aparentemente tira o foco dos seus defeitos e desvia a atenção para o defeito dos outros.

Agora, e quando existem crianças envolvidas? Alguém já imaginou o que se passa na cabeça das crianças diante dessa ditadura da magreza, diante do caráter medido pela aparência física? Se nós, adultos, surtamos com essa cobrança excessiva, imaginem as crianças.

Muitas crescem observando as mães paranóicas com a aparência física, comprando todas as revistas de dieta e seguindo uma diferente a cada semana, obcecadas por plásticas, medicamentos, shakes, restrições, atividades físicas excessivas... e nada preocupadas com o exemplo que darão aos seus filhos. Muitas transferem suas metas para seus filhos e cobram que sejam perfeitos, que sejam magros para serem bem aceitos, amados, conseguirem um bom emprego ou um bom casamento. Aí a criança que não tem estrutura emocional para aguentar tudo isso “desde sempre”, pira. E a mãe vai dizer que não sabe aonde errou.


Eu não sei o que o glúten e a lactose fizeram para alguns médicos, mas parece que uma parte das minhas redes sociais procurou médicos que acreditam que eles são os vilões da dieta (e parece que se você comer, não só vai ficar gorda, mas vai adquirir o vírus ebola instantaneamente). A maioria, porém, nem se consultou com um “especialista”, mas se a vizinha postou que emagreceu assim, “eu também quero ter intolerância a lactose e a glúten”. E pasmem!!!! Quase todo mundo emagreceu!!!!  \o/ ???


Acompanhem comigo: o que sobra na dieta de um ser humano sem glúten e sem lactose? Pois é... quase nada. Quase impossível não emagrecer. A boa noticia é que se você fizer essa dieta por muito tempo, vai continuar magro (ou não!) porque talvez nunca mais consiga comer esses alimentos que cortou da sua dieta. O que acontece é que seu organismo “acostuma a viver sem digerir essas substâncias” e quando você (tentar) voltar a consumir esses alimentos pode ser que realmente tenha desenvolvido uma intolerância. Meta alcançada com sucesso! (ou não).

Ah, está bem, você ainda achou vantajoso? Pois saiba que existem muitas crianças (e adultos) no mundo inteiro que dariam TUDO para não ter essas duas intolerâncias. Dariam TUDO para comer um brigadeiro na festinha do amigo, dividir um lanchinho na escola, comer uma fatia de bolo no aniversario do primo ou almoçar em qualquer restaurante sem se preocupar. Mas não podem porque possuem limitações, problemas de saúde que causam consequências. Limitações estas que VOCÊ ESTÁ DISPOSTO A TER PARA EMAGRECER! E consequências essas, que você conhecerá em breve se ficar forçando seu organismo a viver no limite: infecções, imunidade baixa, deficiências de vitaminas, e por aí vai...

A cada dieta nova nas capas de revista, a cada descoberta milagrosa para emagrecer, concluo que as pessoas estão perdendo o discernimento. Talvez seja falta de oxigenação no cérebro por conta das dietas restritivas. E me preocupo muito com o que será de nossas crianças daqui a poucos anos. Os transtornos alimentares começam assim. Dietas, cobranças, frustrações, metas inalcançáveis, busca pela perfeição...e o ambiente está cada vez mais propício. #medo


A verdade é que o segredo para ter o corpo perfeito não existe. O corpo perfeito não existe. Esse conceito é subjetivo, porque cada um enxerga a perfeição de uma forma diferente. Buscar a perfeição imposta por nossas mentes e pela sociedade gera frustrações porque cada organismo funciona de um jeito. Além disso, as nossas metas e os padrões da moda estão em constante mutação. Assim, essa busca se torna infinita e a insatisfação e a busca pelo inalcançável viram um vício.

Eu não vou desistir de ser uma nutricionista nadando contra a correnteza. Acredito que é possível ser saudável, aprender o que faz bem e o que faz mal sem restrições nem excessos, ter um bom relacionamento com a comida e SER FELIZ!




Vou ali comer um pãozinho com glúten e cobertura extra de lactose e volto mais tarde!






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